Textos

TEXTO I - SHOW INVENTO

POR MARIANO KLAUTAU FILHO

Show 'Invento' marca a volta de Sônia Nascimento

Terça-Feira, 07/12/2010, Jornal O Diário do Pará


O show da cantora Sônia Nascimento no Reator é uma brisa leve e deliciosa no circuito musical da cidade. Suave e original, “Invento” marca a volta desta cantora desde suas incursões com as bandas Jardim Elétrico e Florbella Spanka nos anos 90. A voz de Sônia é particular e sutil. Delicada e firme, opera nos meios-tons com um timbre levemente aveludado. Não lembra, mas remete à mesma qualidade de vozes como as de Clara Sandroni e Dulce Quental.

A delicadeza da voz se mostra logo de cara na abertura. A canção “Clarear”, de Renato Villaça, é quase um mantra. De melodia minimalista que vai se repetindo várias vezes e de sonoridade derramada, a canção envolve a plateia e define o conceito sonoro do show: repertório construído com composições contemporâneas de gerações distintas e que dialogam na percepção poética (muitas vezes melancólica), mas sobretudo viajante e positiva sobre o mundo. Esta cosmovisão amorosa se observa de modos diversos tanto em “Água” (Kassin) como na belíssima “Balada de Agosto” (Fagner e Zeca Baleiro). A identidade do repertório vai se construindo ao longo do show com canções de Nei Lisboa, Moska, Zé Miguel Wisnick, Dulce Quental e dos paraenses Edir Gaia e Renato Torres, entre outros.

Cantora e músicos sabem o que tocam e cantam, pois partilham das mesmas visões elétricas sobre o mundo. Buscam, pesquisam, vivem a música. A presença de Renato Torres (direção musical e guitarra) é fundamental. Cheio de charme pop, sabe ser sofisticado na medida certa. Seus comparsas no palco, outro deleite. Rubens Stanislaw (atuante desde os tempos da “MoonShadow”) no baixo é discreto e preciso. Diego Xavier é a surpresa da nova geração, pelo menos para mim. Cuida da percussão, toca muito bem seu bandolim e ainda traz de brinde um sorriso que imprime um otimismo no ambiente.

Sônia participa deste otimismo com desenvoltura entre os músicos, canta com contenção, mas expõe uma força afetiva na interpretação, especialmente em “Pérolas aos Poucos” e “Balada de Agosto”. Destaque também para sua atuação na livre, leve e solta “Zensider”, de Edwaldo Santana, que fecha a apresentação. Esta costura sonora também é comandada pelas boas mãos de Léo Bitar, que é o produtor musical do show.

Aliás, Reator tem Léo na direção musical e Nando Lima como comandante geral na direção artística. O novo espaço, como o próprio nome diz, é um projeto independe de reação artística na cidade. Tem um conceito muito bem delineado e com isso pretende lançar sua programação com a marca do lugar. Com “Invento”, na voz de Sônia, Reator dá sua partida. Um ótimo pontapé inicial!.



TEXTO II - SHOW INVENTO

POR HELDER BENTES. www.orm.com.br

Quem não se lembra da banda paraense Florbella Spanka, que nos idos anos 90, badalou muitas noites nos saudosos bares GoFish, Babadú, Resumo, Manga Café, Sebastian Bar e Degrau, além do ainda atuante Cosanostra Café? Pois é. No mês de aniversário de nascimento e morte de Florbela Espanca, a ex-vocalista da banda-xará da poeta portuguesa comemora o sucesso de uma importante iniciativa em sua carreira solo.

Estou falando da cantora paraense Sônia Nascimento. Dona de um potencial vocal de mezzo-soprano, com timbre que não pode ser medido por falta de um termo de comparação aqui no norte, Sônia tornou-se conhecida por aqui, embalando as noites paraenses com muita MPB e Pop Rock, ao lado de músicos da já mencionada Florbella e da banda Jardim Elétrico.

Depois de residir um tempo no Rio de Janeiro, Sônia voltou ao Pará, a fim de executar o Projeto Sopro dos Ventos, que visa à gravação de um CD com o repertório do show Invento, contemplado pelo Edital Prêmio Secult de Música 2009. Depois de ficar em cartaz às terças-feiras de novembro no Reator, o show será apresentado no palco do Margarida Schivasappa, dentro do Projeto Uma Quarta de Música, no próximo dia 15, às 20h00, com ingressos a apenas 10,00 (dez reais).

Numa época em que já não se sabe mais ao certo o que quer dizer MPB, Invento é, no mínimo, um título sugestivo para um repertório que inclui compositores como José Miguel Wisnik, Maurício Pereira, Nei Lisboa, Paulinho Moska, Dulce Quental, Zeca Baleiro, Fagner, Kassin, Renato Torres e Edyr Gaya. É desses dois últimos uma das mais belas canções que poderão ser ouvidas por quem for ao Schivasappa nesta quarta. Não se poderia esperar outra coisa de uma parceria com o músico e poeta Renato Torres. Veja:

ALGUM MAR (CANTAR)
Renato Torres e Edyr Gaya

Por que cantar?
Pra ficar perto de um certo intuito,
Ser muito e tudo, e nada mais desperdiçar.
Juntar o que despedaçar

E ir ao fundo, ao nó do medo.
Abrir o jogo e atear fogo
Ao pé do ouvido, até o sentido
Se purificar (modificar).

Parir saudades, dourar momentos,
Vontades soltas pelo vento, um novo ar,
Por um segundo segurar no canto
O mundo, onde vai sossegar
O impulso irresistível de sonhar.

Pra encontrar
O que não tenho, de onde venho,
Ter o desenho precioso do que sou,
Ousar ouvir, na minha voz,
Algo mais do que palavras vãs.
Algum mar fundo o bastante
Pra se mergulhar.

A canção fala da funcionalidade da arte de cantar (Por que cantar?). O que há nesta ação de tão verbal? A letra joga com a recorrência sonora entre “intuito” e “muito”, para falar de “um certo intuito” que intensifica o ser; cria a antítese tudo/nada, para indicar as possibilidades infinitas do ser e o que não pode mais ser desperdiçado. Lembro-me de Renato Russo: “Descompasso e desperdício herdeiros são agora da virtude que perdemos”.

A canção de Torres e Gaya cria também uma recorrência sonora da raiz de “despir”, para se referir ao desperdício, que cessa ao canto, e à antiação de despedaçar, para se referir à função recompositora do canto.

A função do canto é mesmo ir ao fundo, desatar o nó do medo, abrir o jogo e atear fogo ao pé do ouvido, até o sentido se purificar. Os artistas paraenses precisam se unir num grande mutirão contra tecno-brega e coisas do... Como diria? Gênero? Bem, desculpem-me, mas, em se tratando de arte, o que eu entendo por gênero é outra coisa que não me permite relacioná-la ao que a indústria “cultural” (entre aspas porque cultural também é outra coisa) quer porque quer difundir como “coisa nossa”. Deus me livre!


O Pará tem cantores e compositores maravilhosos, gente que escreve letras de verdade, verdadeiros poemas cheios de sintaxe bem elaborada, configurações formais e sonoras edificadas sobre o que há de mais potencialmente significativo no vocabulário nortista. Temos também gente muito capaz de compor ritmos e melodias genuínas, que superam quantitativa e qualitativamente essas porcarias que tocam nas rádios populares, nas festas de aparelhagem e nesses malditos celulares que alguns desprovidos de senso de vida em comum ouvem nos coletivos de Belém. Sinceramente, fico com pena dessas pessoas que ostentam seus atestados de vítimas do sistema com tanta inconsciência e orgulho. Dá vontade de puxar uma carteira escolar e dizer: “Agora senta aqui, meu filho, que eu vou primeiro te ensinar o que é música de verdade, pra depois tu te iniciares em música paraense”.

A música – Atenção! Eu disse M Ú S I C A. Não qualquer barulhinho repetido com gemidos fanhosos e roucos disfarçados de canto – faz mesmo parir saudades. Sim, meus caros, porque, em arte, o verbo “parir” também se completa com qualquer palavra que a gente queira. Assim como o verbo “dourar” pode ter a palavra “momento” como objeto e, assim, construir um significado que desafia a inteligência humana, porque foge do corriqueiro, do banal, do usual, do que tu já sabes... É a poesia quem satisfaz a tua necessidade do novo, quem te salva dessa mesmice em que te querem os sujeitos das tenebrosas transações a que se referira Chico Buarque em “Vai Passar”. O que é isso? Pára de fuçar a vida dos outros nesse orkut, sai desse twitter, desconecta esse msn e vai procurar saber o que todo mundo que tem o mínimo de cultura letrada neste país já sabe.

Estamos cada vez mais castrados pelos imperativos deste sistema de produção capitalista que, não porque virou uma ordem mundial, vai governar meu juízo de gosto. Meu infinito particular não tem que necessariamente aderir a tudo o que este maldito sistema... Cria? Criação pra mim também é outra coisa.

Nossas vontades estão de fato soltas ao vento, e o canto pode ser mesmo este lugar que reúne o disperso, ajuda-nos a organizar as ideias e nos devolve o sonho, faz-nos encontrar o que não temos, entender nossas origens, delinear nosso ser, imprimir algum mar à voz já condicionada a palavras vãs.

Explorando possibilidades rítmicas e visuais, Sônia Nascimento goza de um privilégio de poucos artistas brasileiros, fazer sucesso cantando o que gosta, o que a emociona. Ao longo de sua vida de estudante, Sônia participou de vários festivais e apresentações internas no colégio e na universidade, onde chegou a cursar até o terceiro ano de Medicina Veterinária. Depois passou a se apresentar na noite com vários músicos paraenses. Fez teatro, onde trabalhou com Cacá de Carvalho. Estudou canto com o maestro Adellermo Mattos, que a aconselhou a se dedicar ao canto lírico. Mas ela, por ser amante da MPB, preferiu o popular ao erudito, embora o rigor artístico empregado em Invento não lhe tire o mérito da erudição.

Depois de haver montado um show em homenagem a Noel Rosa, produzido por Cláudio La Roque, Sônia uniu-se aos integrantes da banda Moonshadow, que misturavam música, teatro e poesia. Uniram MPB com Rock e montaram a banda Jardim Elétrico, em janeiro de 1995. Em agosto do mesmo ano, a banda se desfez. Logo a seguir surgiu a Florbella Spanka, com a mesma sonoridade do antigo trabalho e a voz de Sônia Nascimento.

Infelizmente não disponho de espaço para comentar aqui toda a fortuna literária das letras de Invento. Mas, só para deixá-los com água na boca, olhem esta frase: “O sangue não se torna água”. Esta negação metafórica ou este anti-milagre que evoca um realismo possível na música paraense, em contexto otimista, faz parte da literariedade das canções do repertório de Invento.


TEXTO III - SHOW INVENTO

POR EDIR GAYA*

Holofote Virtual: Edir Gaya comenta o show Invento de Sônia Nascimento: O texto a seguir foi publicado originalmente no Caderno Magazine, de O Liberal, edição desta quarta-feira, 15 de dezembro. As fotos desta postagem são da fotógrafa Ana Flor.

Invento transforma brisa em tempestade

A “brisa leve e deliciosa” que Sônia Nascimento começou a soprar com “Invento”, durante as três semanas de temporada no “Reator”, se transformará inevitavelmente em tempestade nesta quarta-feira, 15, quando a cantora que retorna ao palco após um afastamento de 13 anos apresenta o espetáculo de despedida da temporada deste ano, no Teatro Margarida Schiwasappa.

Escrevi a matéria de lançamento da Sônia como cantora na década de 90, com o “Jardim Elétrico”, ao qual se seguiu depois “Florbella Spanka”, sempre ao lado de Renato Torres e Rubens Stanislaw. A garota, muito compenetrada e aparentemente retraída, se revelou, então, um furacão. Sacudiu a cena musical da cidade com um repertório que não fazia concessões ao óbvio e que mergulhou fundo nas raízes do pop-rock para se transformar na trilha sonora dos que faziam o circuito dos bares descolados nos agitados anos 90 em Belém.

O talento cênico e o timbre singular de Sônia, aliados ao repertório ousado e à competência de músicos como Renato e Rubens, explicam o sucesso daquele período.

"Poucas cantoras de Belém, na década de 90, aliaram tão bem a genuína MPB com uma pegada pop. Não foi à toa que se tornou uma das principais cantoras da cidade à época, marcando presença nos principais bares. Até hoje uma galera ao mesmo tempo exigente e 'descolada' lembra com saudade dos shows da Sônia e suas bandas. É a oportunidade de matar a saudade e aguardar novas ousadias", diz o jornalista Edson Coelho, a respeito do retorno de Sônia Nascimento.

Sônia estava devendo ao seu público um show no formato de “Invento”, espetáculo no qual o rock e o pop são a moldura sobre a qual a canção brilha em primeiro plano. Esse mergulho no gênero que caracteriza a singularidade da música brasileira é o grande mérito do espetáculo.

Muita gente de peso já anunciou a morte da canção, mas Sônia mergulha na busca da consistência da palavra cantada, abordando desde o velho tema do que era para ter sido e que não foi, até as ilusões perdidas quanto ao futuro da canção:

“Era pra eu mudar o mundo inteiro ao meu redor/Era pra gritar o que ninguém ainda escutou/Era pra ser bom ou pra ficar muito melhor/Era pra voltar o tempo que ainda não passou/Vou, hei de partir/Aprisionado nas canções/Se sou o escravo dessas ilusões”, anuncia a moça, em “Prisão”, do Moska; e arremata, em “Pérolas aos poucos”, de José Miguel Wisnik: Eu jogo pérolas aos poucos ao mar/Eu quero ver as ondas se quebrar/Eu jogo pérolas pro céu/Pra quem pra você pra ninguém/Que vão cair na lama de onde vêm”. E tudo isso com uma pegada rítmica firme, mas muito suave.

Vi o show na terça (07.12) com a Valéria e as crianças (Gabriel, Leon e Manuela). Ficamos todos encantados e surpresos com as possibilidades cênicas e sonoras do Reator. Nando Lima e o pessoal responsável pelo espaço são realmente geniais.

Quanto a mim, o retorno da Sônia premiou com a inclusão de uma canção recente que fiz em parceria com o Renato Torres, “Algum mar”, harmonia complicada à qual o arranjo apurado do Renato, a execução firme do baixo de Rubens, a delicadeza do bandolin de Diego Xavier e a interpretação de Sônia deram o tom de simplicidade que marca o que é de fato belo. Com “Invento”, Sônia realiza o desejo que Renato Torres manifesta por nós que amamos a canção brasileira, na letra de “Algum Mar”: “ousar ouvir na minha voz/algo mais do que palavras vãs/Algum mar fundo o bastante/Pra se mergulhar”.

*Edir Gaya é jornalista e músico compositor.







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